Blog do Centro de Formação da Vila

Como as ações do Plano Ceibal voltadas para a sustentabilidade podem nos inspirar na relação com a Inteligência Artificial na Escola

Escrito por Centro de Formação da Vila | 5 de Novembro de 2025

O Plano Ceibal do Uruguai é uma iniciativa abrangente de inclusão digital e tecnológica na educação, baseada em cinco pilares: distribuição de equipamentos (um dispositivo para cada aluno e professor), conectividade (internet nas escolas), conteúdo digital, formação de professores e inovação pedagógica. Seu objetivo principal é promover a equidade de conhecimento e oportunidades para todos os estudantes uruguaios, utilizando a tecnologia digital para potencializar as aprendizagens. 

Em visita recente a Montevidéu para participar do evento EduIA Conf(1), estivemos no  Centro do Plano Ceibal para conhecer o trabalho de perto. Uma das ações que nos chamou atenção foi o comprometimento com a sustentabilidade. Considerando o ODS (Objetivo de Desenvolvimento Sustentável)  número 12 - “garantir modalidades de consumo e produção sustentáveis” - o plano Ceibal tem como princípios(2):

  • Desenvolver uma política de minimização na geração de RAEE (resíduos de aparelhos elétricos e eletrônicos), sistematizando o consumo de recursos desde o nível de construção, em concordância com um gerenciamento adequado de resíduos. 
  • Elaborar um Plano de Gestão da RAEE que permite projetar a quantidade de recursos que será gerada, recolhida e recuperada.

Dessa forma, o marco conceitual de economia circular do Plano Ceibal(3) propõe uma gestão sustentável dos resíduos de aparelhos elétricos e eletrônicos (RAEE), substituindo o modelo linear de descarte por um ciclo de redução, reutilização, reciclagem e recuperação de recursos.

O plano se estrutura em onze eixos interdependentes:

  1. Diagnóstico – levantamento detalhado da quantidade, tipo e destino dos equipamentos, identificando práticas já existentes de reutilização e reciclagem.
  2. Ecodesenho – priorização de dispositivos duráveis, modulares e reparáveis, com disponibilidade de peças para prolongar sua vida útil.
  3. Recoleção e classificação – criação de um sistema interno de coleta e separação de equipamentos segundo seu potencial de reutilização, reparo ou reciclagem.
  4. Reutilização – promoção da recuperação e atualização de dispositivos e peças em bom estado, garantindo controle de qualidade antes do reuso.
  5. Recuperação de componentes – extração de partes funcionais (como placas, telas e baterias) para reaproveitamento em outros equipamentos.
  6. Reciclagem – parceria com fornecedores certificados que assegurem o desmonte e tratamento seguro dos materiais conforme normas ambientais.
  7. Educação e capacitação – formação de todos os envolvidos sobre economia circular e consumo responsável.
  8. Informação e transparência – registro e comunicação pública dos dados sobre RAEE gerados, reutilizados e reciclados, fortalecendo a responsabilidade institucional.
  9. Pesquisa e desenvolvimento – incentivo à inovação em tecnologias e processos de gestão sustentável de resíduos.
  10. Cumprimento normativo – adesão às legislações nacionais e internacionais pertinentes.
  11. Avaliação contínua – monitoramento e aperfeiçoamento permanente das estratégias adotadas.

Em síntese, trata-se de modelo sistêmico de economia circular que reduz a pegada ambiental, estende o ciclo de vida dos dispositivos tecnológicos e consolida uma cultura organizacional voltada à sustentabilidade e à inovação responsável.

Como essas ações se relacionam com o contexto atual da Inteligência Artificial na educação? 

Segundo a Unesco, a Abordagem Centrada no Humano (ACH) é um princípio fundamental que orienta o design, a implementação e o uso da Inteligência Artificial (IA) na educação e na pesquisa, garantindo que a tecnologia sirva ao desenvolvimento das capacidades humanas.

A ACH defende que o design e o uso da IA devem estar a serviço do fortalecimento das capacidades humanas, protegendo a dignidade e a agência. Considerando a ética, a confiança e a transparência, a proposta é a implementação de regulamentações para garantir transparência nos dados, algoritmos e a responsabilidade pública, baseadas em princípios éticos essenciais. 

Levando em conta as ações voltadas à inclusão, equidade e sustentabilidade, a ACH visa  garantir o acesso equitativo e inclusivo à IA para todos os estudantes e comunidades, promovendo a justiça social e ambiental. E, por fim, com base na sustentabilidade ambiental, os alunos e professores devem ter consciência do impacto ambiental da IA (como o consumo de energia necessário para treinar modelos) e ser capacitados a explorar abordagens de design e uso da IA favoráveis ao desenvolvimento sustentável.

Diante dessas diretrizes, como educadores, o que precisamos definir como princípios na estrutura de funcionamento dos recursos de IA hoje, para que eles estejam alinhados à perspectiva da centralidade humana? Como esses recursos podem promover uma experiência efetivamente formativa para nossos alunos e professores? O que precisamos exigir das empresas de tecnologias e dos nossos ecossistemas de plataformas, considerando os princípios educacionais? Assim como as estruturas de hardware dos equipamentos entregues aos estudantes do Plano Ceibal são desenhadas prevendo o reparo, descarte e reuso, as estruturas da IA devem ser desenhadas para a educação. 

À medida que nos aprofundamos nesses questionamentos, vamos nos dando conta de que um  Projeto Político Pedagógico que considere as necessidades da Educação Digital vai muito além das decisões sobre usar ou não os recursos disponíveis.  A linguista Emily Bender afirma que, se não agirmos, podemos caminhar para um futuro imaginado pelas empresas de tecnologia. 

Tendo essas ideias em conta,  o caminho que vislumbramos aponta para a relevância de desenvolver recursos educacionais com IA, e não somente tentar adequar as práticas aos recursos existentes.  Para além do ‘como usar’, é urgente pensar sobre como os parafusos da IA devem ser redesenhados, considerando o trabalho educacional de qualidade, a acessibilidade e a equidade. 

(1) Informações sobre a conferência estão disponíveis em https://ceibal.edu.uy/institucional/eduia/eduia-conf/ .
(2) De acordo com o Reporte Sostenible de 2024 disponível em https://ceibal.edu.uy/institucional/ceibal-sostenible/reporte-sostenibilidad/ .
(3) Ver em Plano de Gestão de RAEE, disponível em https://ceibal.edu.uy/wp-content/uploads/2024/05/Plan-de-Gestion-de-RAEE_Resumen-ejecutivo.pdf .