A palestra de abertura da 5ª Conferência Brasileira de Aprendizagem Criativa aconteceu em 29 de outubro, em Brasília, e foi conduzida pelo professor Mitchel Resnick. O título de sua apresentação trazia uma provocação inspiradora: Por que precisamos, mais do que nunca, de aprendizes criativos, curiosos, conscientes e colaborativos?
A presença do advérbio “mais do que nunca” é intrigante: Por que mais do que nunca esses atributos são necessários? Que conjecturas dos tempos atuais reforçam a importância desses 4Cs na formação dos estudantes?
O caminho traçado por Resnick para responder a essa pergunta começou com uma homenagem à educadora Carla Rinaldi, falecida em 2025. Ele relembrou sua experiência ao visitar os jardins de infância de Reggio Emilia e conhecer as ideias de Loris Malaguzzi, fundador da abordagem pedagógica que transformou o olhar sobre a infância e a aprendizagem.
O contato com a famosa imagem das “cem linguagens da criança” marcou o início de uma conexão profunda entre a filosofia Reggio Emilia e o trabalho que Resnick desenvolveria mais tarde no MIT Media Lab.
“A criança é feita de cem.
A criança tem cem mãos, cem pensamentos, cem modos de pensar,
de jogar e de falar.
[...]
A criança tem cem linguagens (e depois, cem, cem, cem),
mas roubaram-lhe noventa e nove.”
(Loris Malaguzzi)
O poema - citado por Resnick em sua fala - evidencia a valorização da diversidade, da expressão e da paixão por conhecer o mundo. Ao afirmar que “roubaram noventa e nove” das cem linguagens da criança, Loris Malaguzzi denuncia a tendência de restringir as formas de pensar, sentir e criar que as crianças naturalmente possuem.
Resnick reconhece, nesse olhar, uma afinidade profunda com a aprendizagem criativa, proposta que defende em seu livro Jardim de Infância para a Vida Toda. Assim como Malaguzzi, ele acredita que a aprendizagem floresce quando há espaço para a imaginação, para o erro, para a experimentação e para o diálogo. A escola, nesse sentido, deve funcionar como um ateliê vivo - um ambiente em que crianças, jovens e adultos possam explorar ideias, construir projetos e dar forma às suas curiosidades e paixões.
Para que isso aconteça, Resnick propõe que os ambientes educativos cultivem os 4Cs - criatividade, curiosidade, colaboração e consciência - não como competências isoladas, mas como modos de estar no mundo. Criatividade para imaginar novas possibilidades; curiosidade para fazer boas perguntas; colaboração para aprender com e com os outros; e consciência para agir de forma ética e responsável diante dos desafios contemporâneos.
Os 4Cs em tempos de Inteligência Artificial
Em um momento histórico em que a inteligência artificial generativa impacta profundamente a forma como pensamos, aprendemos e criamos, Resnick convidou o público à reflexão.
Segundo ele, a IA generativa abre um campo vasto de possibilidades para ampliar a imaginação humana e multiplicar as formas de expressão, desde que seja usada por aprendizes curiosos, criativos, colaborativos e conscientes. São esses aprendizes que poderão dialogar com a tecnologia de modo produtivo - explorando-a para investigar, testar ideias, resolver problemas e criar novas conexões.
Entretanto, quando o uso da IA se dá em contextos de aprendizagem passiva e desengajada, o cenário se inverte. Diante de uma tecnologia que oferece respostas prontas e soluções automáticas, o risco é que os estudantes abdiquem do esforço de questionar e imaginar, reduzindo sua autonomia intelectual e sua capacidade de construir conhecimento com sentido.
Por isso, Resnick alerta: mais do que aprender a usar novas ferramentas, é essencial preservar as disposições humanas que dão sentido à aprendizagem - a curiosidade, a criatividade, a colaboração e a consciência. São elas que garantem que a IA funcione como aliada no processo de aprender, e não como substituta da reflexão e da autoria.
Entre Reggio Emilia e a educação digital
A conferência de Resnick promoveu um encontro simbólico entre duas das nossas viagens pedagógicas: Reggio Emilia, que inspirou olhares atentos à infância e às múltiplas linguagens, em 2025; e Montevidéu e Buenos Aires, em 2026, uma viagem totalmente dedicada a pensar sobre “Educação Digital em Tempos de IA”.
Mais do que respostas, a abertura de Resnick abriu portas para novas perguntas - aquelas que nos movem e nos fazem pensar:
- Como educadores, o que podemos fazer para manter vivo o espírito do “jardim de infância pela vida toda”?
- Como garantir que a IA amplie, e não estreite, as linguagens humanas?
- De que maneira podemos cultivar a curiosidade e a consciência quando o acesso às respostas rápidas é tão presente?
- Como preservar e nutrir a criatividade ao longo de toda a escolaridade?
- Como construir planos de educação digital que potencializem os quatro Cs?
Notamos aqui um encontro interessante entre caminhos e inquietações que têm orientado as viagens pedagógicas promovidas pelo Centro de Formação. De um lado, Reggio Emilia, com sua defesa das múltiplas linguagens e do encantamento diante do aprender; de outro, a jornada “Educação Digital em Tempos de IA”, que nos convida a refletir sobre o papel humano na era das tecnologias inteligentes.
Nesse cruzamento de experiências e perspectivas, as boas perguntas se tornam nossas melhores aliadas. Elas guiam o olhar, ampliam as possibilidades de leitura do mundo e mantêm viva a postura investigativa que sustenta a aprendizagem criativa. Mais do que buscar respostas imediatas, preparar-se para uma viagem pedagógica é abrir espaço para o espanto, para o diálogo e para o pensamento compartilhado - um exercício de escuta e de construção coletiva de sentido.
Assim, inspirados por Resnick, por Malaguzzi e pelas experiências que o Centro de Formação tem promovido, seguimos rumo a uma nova etapa de descobertas. Que cada viagem - real ou simbólica - continue a nutrir em nós a disposição de perguntar, imaginar e criar juntos os caminhos de uma educação mais viva, ética e humana.
